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Rui contra Haddad

Existe um conflito aberto no interior do governo Lula: é entre o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o da Fazenda, Fernando Haddad. Há duas semanas, por exemplo, Haddad soube da demissão do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, pelos jornais. E a Petrobras é a maior companhia do Brasil. O cara responsável pela economia sequer foi informado de que Prates estava a caminho do Planalto pra ser demitido.

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São coisas assim, que ocorrem a toda hora. E isso é um clássico de governo Lula, esse conflito entre ministro da Fazenda e da Casa Civil. Você vai lá atrás, 2003, 2004, Lula aprendendo a ser presidente, o PT começando a lidar com governo. Já era assim com Antonio Palocci e José Dirceu. Os dois em conflito.

Em parte isso tem a ver com a organização do governo. A República brasileira foi inspirada na americana, mas lá o desenho institucional é diferente. Existe um ministro que é mais importante do que todos os outros. É o secretário de Estado, a pessoa responsável pela chancelaria. Pelas relações internacionais. Nos Estados Unidos, quem cuida da política internacional é percebido como quase um segundo presidente. Claro, isso tem a ver com a importância econômica e militar que os Estados Unidos têm no mundo. Muita coisa acontece ou deixa de acontecer por interesse americano. Então quem exerce esse papel acaba ocupando muito poder. Aqui no Brasil, o cargo mais importante da Esplanada dos Ministérios não é nem de longe a chancelaria. Aqui ser ministro das Relações Exteriores é menor. Porque o Brasil é menos importante. As coisas não deixam de acontecer por causa do Brasil. Já ministro da Fazenda, não tem jeito. A economia está no centro de qualquer governo brasileiro sempre. Ministro da Fazenda cai, governo está em crise séria.

Antonio Palocci era cotadíssimo para ser candidato a sucessor de Lula. Como Fernando Haddad é. Lula, aliás, acertou muito em um traço de personalidade que Haddad tem. O cara é calmo, é temperado, não faz rompantes. No Brasil, para lidar com economia, precisa ser assim. Ministro da Fazenda mal-humorado, que fica zangado muito rápido com provocação, fala bobagem e aí os mercados sobre, descem, dinheiro se perde. Não dá. Haddad é cuidadoso.

Rui Costa não é. Rui Costa é dado a rompantes. Grita no Palácio, ataca as pessoas.
Esse cargo, o de ministro chefe da Casa Civil, é importante. Os americanos chamam de chief of staff, chefe de equipe. Porque é isso mesmo que o cargo traz, a gerência do governo. É quem é responsável por fazer com que os ministros trabalhem em conjunto, por exemplo. Isso inclui, claro, cuidar da agenda do presidente da República. Precisa mesmo, tá? Alguém precisa ter uma compreensão clara de quais são os objetivos estratégicos e, portanto, quais são as prioridades do governo. Mas é poder que não acaba mais. Qualquer ministro, deputado, senador que queira falar com o presidente precisa marcar hora. Quem marca a hora e o dia é o ministro chefe da Casa Civil. Se alguém deseja te atrapalhar, não tenha dúvidas a respeito de quem será. O ministro-chefe da Casa Civil.

Então parece que é uma dinâmica meio encomendada e inevitável, né? O ministro-chefe da Casa Civil e o ministro da Fazenda vão disputar influência, poder, e portanto estarão em conflito. Só que não precisa necessariamente ser assim. Isso não existia no governo Dilma, por exemplo. Tudo bem, tem muito a ver com o fato de que Dilma era, ela própria, a ministra da Fazenda. Quando foi Joaquim Levy no cargo, de quem ela discordava, ela própria fazia o conflito. Mas com outros a relação era bastante mais suave.
O ponto aqui é que Lula gosta do conflito acontecendo embaixo dele. É um estilo de gerência, de comando. Ele gosta de subordinados disputando espaço e a sua atenção. Ele costuma botar no comando da Casa Civil pessoas com temperamento conflituoso. Foi o Dirceu, por exemplo. Como foi a própria Dilma Rousseff, outra que gerenciava na base do berro e do xingamento. Os ministros a odiavam. Como os ministros odeiam Rui Costa.

Esse tipo de tática de gestão pode ter vantagens, tá? Mas quando o Brasil está rachado e domar o Congresso Nacional é quase impossível, atrapalha. Atrapalha muito. Imobiliza o governo. Vamos conversar.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

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Essa gestão por disputa tem algumas vantagens. Uma é que estimula competitividade. Isso quer dizer que as pessoas querem mostrar serviço, ultrapassar as outras. Isso desencadeia num processo que pode levar a inovação e criatividade. Então se você vai às livrarias buscar livros de técnicas de gestão, vai encontrar quem defenda.
Só que tem alguns problemas aí. Na empresa, o clima organizacional fica tóxico. Ao estimular competitividade dentro da equipe, reduz a capacidade de cooperação. É todo mundo contra todo mundo. Perde-se a noção estratégica, todo mundo busca reconhecimento imediato do líder. Porque é isso, né? Esse estilo de gestão é como aquele tipo de família com muitos filhos, todos enciumados disputando no tapa a atenção do pai ou da mãe.

Da maneira como Lula gosta de fazer esse troço, é pior. Porque ele põe no cargo central do governo a pessoa mais geradora de conflitos. O Dirceu tinha uma diferença, tá? Ele era principalmente um homem de partido. É um cara que gosta de briga, sim, mas antes de tudo é um analista político. O principal trabalho que ele compreendia ter era fazer com que o PT permanecesse no governo por mais e mais ciclos eleitorais. Dilma já não era assim, ela é uma pessoa que tem aquele traço meio mandão, impaciente, grita com tudo quanto é subordinado. Rui Costa é igual. E Rui Costa tem outra fissura. Ele gosta de poder. Gosta de exercer poder. E quer o poder pra ele.

Quando você bota pra organizar o trabalho de todos os ministros alguém que se vê numa posição em que quer disputar o espaço com esses mesmos ministros, não tem como dar certo em governo algum. Nisso, Rui não tem nada a ver com Dirceu ou Dilma. Os dois eram conflituosos, também, mas de um jeito ou do outro não estavam numa disputa de espaço com todo o ministério. Dirceu tinha por foco manter o PT no poder. Dilma tinha por foco fazer o Projeto de Aceleração Econômica, o PAC, andar. E Rui? Qual é o foco do Rui Costa? Às vezes parece que a coisa mais importante, pra ele, é fazer a Unigel se dar bem. Que Unigel? Calma.

Em parte, essa coisa do Lula de botar o ministro da Fazenda em disputa com o da Casa Civil tem a ver com uma idiossincrasia petista. O partido conta para si uma história de que responsabilidade fiscal não é importane. O problema é que é. Então quando o Lula coloca na Fazenda alguém preocupado com manter o balanço das contas do governo, como era o Palocci e como é o Haddad, ele põe outro alguém para, digamos assim, “defender o partido”. Ou seja, ficar enchendo o saco do ministro da Fazenda que está trabalhando.

Ministro da Fazenda petista que faz o trabalho direito precisa gastar uma quantidade imensa de tempo e energia se defendendo do próprio PT. Vem com o cargo. É meio inacreditável que o governo não seja capaz de defender numa só voz sua política econômica mas, com o PT, é sempre assim. Quanta energia vai embora à toa.
Aí o Rui, ainda por cima, tem aquela outra coisa complicada. Atende pelo nome Henri Armand Szlezynger. Ele é um engenheiro químico, empresário, 87 anos. Dono da Unigel, uma companhia que fabrica fertilizantes em estado falimentar na Bahia. Breno Pires escreveu uma longa reportagem sobre a relação dos dois na Piauí de abril.
Szlezynger é doador do PT baiano desde 2006. Lá atrás. É o principal doador individual do partido no estado, não tem ninguém que tire dinheiro do próprio bolso e ponha em campanhas de candidatos petistas como ele. E Szlezynger precisa de um favor do governo. Um contrato com a Petrobras, que é a dona original das suas fábricas de fertilizantes. Estão arrendadas. A empresa está quebrada e precisa de insumos, que vêm do petróleo, muito baratos. O Conselho de Administração da Petrobras vetou o contrato que Rui Costa quer dar para o amigo. O Tribunal de Contas da União já deixou claro que quer vetar o contrato. Porque é prejuízo puro pra Petrobras, risco demais. É, praticamente, dar dinheiro de graça para a empresa.

Mas não é só isso. O governo está perdendo muita briga no Congresso. É normal. O Congresso é de oposição. O governo é de esquerda e o Congresso é de direita. Mas se a pessoa responsável por organizar o trabalho de todos os ministros, que tem a missão de botar todo mundo na mesma página e com uma única meta conjunta tem outras prioridades, o que acontece? Se essa pessoa está disputando espaço com ministros, tem suas agendas próprias que traz pra dentro do governo, é claro que a coisa vai dar muito errado. Nem dá para esperar um resultado diferente. Fica um governo que atira pra todo lado e não tem qualquer meta clara. Nisso, o governo Lula 3 é muito diferente do 1 e 2.

E aí tem Henri Armand Szlezynger. Todo em Brasília está de olho nessa relação. Tem muita gente, na imprensa e no Congresso, que fala de um novo escândalo querendo explodir. Por que trazer esse problema pra dentro do Palácio do Planalto? Essa só Lula pode responder. Mas é inacreditável.

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