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Clipe de Anitta sobre candomblé levanta debate sobre intolerância religiosa

Judeus, neopentecostais, mãe de santo e Nossa Senhora, todos juntos na batida do Ogã que começa o clipe Aceita, da Anitta.

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Assim que a Anitta anunciou o clipe, de uma música lançada no álbum Funk Generation, lançado no dia 26 de abril, a intolerância religiosa tomou o palco.

Chamaram de endiabrada, mandaram o “tá repreendido” entre outras falas que não valem a pena repetir porque, além de ignorantes, são criminosas.

O estado é laico, intolerância religiosa é crime, mas isso não impede o ódio de se manifestar. Anitta perdeu cerca de 200 mil seguidores e, vamos lá, isso é normalmente uma medição um pouco tosca, mas esconde um fato preocupante – a intolerância.

Anitta nunca escondeu ser do Candomblé, mas fez um clipe tocante sobre religiões, sobre várias religiões e sua coexistência.

Ela foi vítima de comentários verminosos de quem se revela mesquinho frente à própria fé. Fé é algo amplo, religião – mais ainda.

O curioso é que há mais ou menos um mês quem foi o centro da discussão de intolerância religiosa foi outra diva do pop BR, a Ludmilla, mas não na posição de vítima. E a crença atacada foi a de matriz africana.

Se você não me conhece, eu sou Bruna Buffara e esse é o Canal Meio, você já se inscreveu no canal? Se inscreva e acompanhe a Curadoria semanalmente.

A Ludmilla colocou, no Coachella, uma projeção de uma foto com a fala ‘só Jesus expulsa o Tranca Rua das pessoas”.

E vamos lá, retomando pra quem não viveu: não quer dizer que A Ludmilla seja intolerante, talvez ela realmente estivesse usando seu espaço como uma denúncia, mas no show a imagem passou rapidinho, ela não falou sobre a imagem então a discussão nas redes foi toda sobre como Ludmilla devia, então, compactuar com o que ela colocou no telão.

Piora porque Ludmilla comprou uma igreja, no início do ano, pra sua pastora no Rio de Janeiro.

Na fala da Lud, ela disse que queria retratar o dia a dia nu e cru das favelas em que ela cresceu, da intolerância que também reside lá.

A Ludmilla e a Anitta tem uma… rusguinha há uns anos. Envolve produção de música, like em tweet duvidoso e fãs sendo péssimos. Os fãs nunca largaram da rivalidade e a comparação entre as duas nas redes sociais nunca parou. Mas dessa vez o que pegou foi a primeira frase do anúncio da Anitta sobre o clipe, que é “partilhar desinformação, piadas e histórias fictícias de Santería, candomblé, é racismo religioso.”

Não to dizendo que é direcionado à Ludmilla, porque a Anitta recebeu um monte de comentários ignóbeis sobre sua fé. Mas quando uma artista tao grande quanto as duas toma uma posição que dá margem ao mal entendimento de algo (um crime de intolerância religiosa), isso é motivo pra indagação.

Quando Anitta falou sobre sua música, Aceita, ela diz que é não só a cultura dela, mas com é cultura afro, uma quebra de preconceitos religiosos que ela queria trazer.

E o trabalho, de fato, deixou explícito o preconceito que ainda precisa ser quebrado.

O clipe mostra diversas religiões, mostra gente rezando com terço, levantando a Bíblia, mostra a Anitta tomando um banho de abô, num momento vulnerável. Na verdade, o clipe mostra muito bem a vulnerabilidade de crenças diferentes e em rituais diferentes – com foco no candomblé, claro, que é a religião da Anitta.

Tudo com respeito e delicadeza. Mas não impediu a Anitta de ser vítima de preconceito, de ignorância.

O babalorixá Rodney William, antropólogo e doutor em ciências sociais falou pra UOL no ano passado que “As religiões de matriz africana sofrem mais com a intolerância religiosa no Brasil por causa do racismo”. A origem negra dessas tradições levaram a um processo de demonização e a uma perseguição implacável que sempre existiu porque a sociedade brasileira foi estruturada no racismo e na desigualdade.

E os dados não mentem, a religião que mais sofre preconceito são as de matriz africana. De 2021 para 2022 os casos cresceram 270% com as religiões de matriz africana em foco.

De 2022 pra 2023 houve aumento nas denúncias e as religiões de matriz africana seguiram como as mais atacadas.

E o irônico é que são os cristãos os mais intolerantes, no II Relatório sobre Intolerancia Religiosa os suspeitos registrados são de igrejas batistas, da assembleia de Deus e neopentecostais.

É falta de amor ao próximo, é quem não ouviu que Jesus pregava amor, não omedo do diferente.

(Isso é a fala de um padre, tá? Do Padre Bizon)

A fala mais sábia da Anitta foi numa live que ela fez, depois de perder mais de 200 mil seguidores, em que ela fala que não tem medo, ela tem fé.

Ela fala que acredita que todos tenham o poder de manifestar o divino e o diabólico e que quando ela recebe mensagem de repúdio à fé dela, ela não sente energia divina. Ela sente o contrário.

Ela segue e uma das melhores falas é essa aqui:

Meu novo clipe traz imagens de vários tipos de crenças. Tenho uma paixão profunda por diferentes manifestações da fé, diferentes formas de me conectar com o espírito. Em nenhuma delas sinto que quando morrermos seremos punidos e julgados, sinto que vamos pra onde esteja vibrando a mesma frequência que o meu espírito. E aqui, nessa vida, meu compromisso comigo mesma é vibrar na frequência de maior luz que eu conseguir

Isso é fé, religião, crença, tudo junto. É respeito, é limite.

O clipe foi gravado no ano passado, é a única música do álbum da Anitta que é política Ela mesma fala que o objetivo de Funk Generation é balançar a raba, mas que é uma música pra homenagear a sua fé.

E milhares de pessoas se sentiram representadas, contempladas pela Anitta e felizes pela sua coragem de fazer um clipe desses.

Sim, a palavra foi coragem. E faz sentido.

O dia em que ela anunciou o clipe foi no 13 de maio, dia dos Pretos Velhos, guardiões da sabedoria ancestral, da cura espiritual. São a representação de quem viveu a escravidão, são espíritos manifestados como idosos africanos que carregam histórias de fé para ter resiliência. Também é dia da assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravatura no Brasil.

Anitta foi grandona ao falar da sua fé porque ela mostra e pede respeito pela religião mais atacada do nosso país. Você pode não gostar dela, não gostar das suas músicas, mas a postura dela tanto de falar sobre a sua fé quanto o discurso contra intolerância foram muito bons.

O clipe tem 2 minutos e 40 e é o suficiente para passar respeito, reverência e vulnerabilidade. Fé nunca deveria ser um papo difícil se tido com amor e compreensão. Independente da religião ou ausência dela. Acreditando em um, ou vários, deuses e deusas ou acreditando na ausência de divindade.

É curiosa a linha do tempo de que mês passado a Ludmilla foi acusada de algo que agora acontece com Anitta como vítima. A música já estava lançada, o clipe foi gravado no ano passado e lançado na semana de uma comemoração do Candomblé. A Ludmilla foi acusada de intolerância religiosa em abril, no Coachella. A turnê da Ludmilla, que celebraria 10 anos da carreira dela, foi cancelada. Segundo a Lud por não cumprimento da produtora. São acontecimentos independentes, eles não se tangem em momento algum.

Enfim, axé pra quem é de axé, amém pra quem é de amém e até a próxima Curadoria para que estiver aqui sexta que vem.

Um beijo, com muito respeito e até lá.

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