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As “boas notícias” de Lula

No café da manhã que teve com jornalistas, o presidente Lula estava com uma missão muito clara.

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Com a voz serena, e com um misto de relaxamento e ironia, Lula precisava fazer chegar às manchetes as boas notícias de seu governo.

Antes que o presidente falasse, quem fez as vezes de chefe de reportagem foi o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação. Ele lamentou que na véspera, no dia do anúncio de um grande pacote de crédito para microempreendedores, os veículos da imprensa tenham escolhido falar só da “bronca” que Lula deu em ministros como Fernando Haddad e Geraldo Alckmin.

Se você não viu, o pito de Lula foi no sentido de pedir que Haddad largasse os livros e falasse mais com parlamentares. E que Alckmin fosse mais ágil. Pediu também para Wellington Dias e Rui Costa conversarem com deputados e senadores.

Pimenta reforçou que se tratou de uma brincadeira e que qualquer um de “bom senso” teria percebido isso e escolhido manchetar o programa do governo. Depois, Lula ainda buscou contemporizar com os repórteres ali presentes, dizendo que entende que não são eles que escolhem a manchete e que o jornalista que o faz precisa pensar em como melhor vender seu jornal — o que não é exatamente assim, tá? Com as exceções que sabemos que existem, o repórter vai a campo e volta com o enfoque que considerou mais relevante daquela história, o que a gente chama de lead. É isso que encaminha o que vai ser a manchete.

Mas o ministro Pimenta é jornalista e certamente sabe como é que funciona a escolha do que se vai publicar, do que é prioridade. Se analisou detidamente todos os jornais e portais da imprensa tradicional, encontrou lá, sim, em todos, reportagens sobre o programa Acredita e o Desenrola para pequenas empresas. No dia seguinte, ainda vieram várias outras matérias naquele modelo “entenda” ou “avaliam especialistas”. E quase todas sob a editoria de Economia.

Mas a fala de um presidente da República, por óbvio, é sempre, acima de tudo, política. E Lula estava numa segunda-feira de particular pressão quando chamou a atenção de seus ministros.
Primeiramente, vamos lembrar a máxima de que brincadeira não é mentira, né? Ao contrário, normalmente se disfarça uma verdade incômoda de brincadeira para ela ficar mais palatável.

Segundo, Lula estava realmente numa sequência de embates com o Congresso e, ao pedir mais interlocução de seu time com parlamentares, protagonizou o famoso “hmmm, sentiu”.

Mais sintomático ainda é pedir isso aos titulares de pastas que não a da articulação política, do Alexandre Padilha, com quem já ficou claro que Arthur Lira não quer mais papo.

Terceiro, Lula também vem de uma sequência de pesquisas de opinião que, se não são catastróficas, revelam, no mínimo, que a percepção de uma parcela muito expressiva da população sobre seu governo não vem melhorando. A mais recente, de domingo, aponta justamente a economia como ponto de descontentamento, mais especificamente o controle da inflação. Então, ao convocar Haddad e Alckmin, dois ministros de pastas da área econômica, sinalizou claramente que precisa fazer a economia andar mais e melhorar mais rápido.

Cá entre nós, tudo isso é notícia, sim. E existe ainda um conceito jornalístico de que boa notícia não é notícia, que embora possa e deva ser questionado, e aqui no Meio a gente questiona, é sedimentado nas redações. Talvez não de forma tão estanque, mas com a noção de que uma tragédia, uma crise, um problema é mais jornalisticamente relevante do que o anúncio de um programa de governo, ainda que ambos vão chegar às homes dos sites e às páginas dos jornais. Isso é assim desde sempre.

O próprio presidente Lula fez questão de se lembrar de uma conversa que teve com jornalistas décadas atrás porque andava incomodado com as manchetes negativas contra o PT. Eram gigantes do jornalismo. Clóvis Rossi estava lá, Ricardo Kotscho organizou. “A lição que eu aprendi”, disse Lula, “é que se a gente não quer uma manchete negativa, a gente não pode dar pretexto pra tal manchete. Então, é preciso que a gente pense o que vai falar porque tudo que a gente vai falar pode virar manchete”.

É verdade, presidente, jornalista tem esse defeitinho de se apegar ao que é dito pelo presidente da República e noticiar. Por um lado, a crítica é válida, porque jornalismo puramente declaratório empobrece a cobertura e, em última instância, a própria política. Cobrem-se mal as políticas públicas, a política mais chata e burocrática, por assim dizer.

Por outro, é ingenuidade acreditar que uma frase da maior autoridade do país, em tom de brincadeira ou não, convocando seus ministros a atuar de certa maneira com outros Poderes não é de extrema importância.

Lula sabe disso. Mas, como eu disse ali no começo, ele tinha uma missão com os jornalistas. Tentar atravessar as polêmicas e conseguir comunicar aquilo que considera feitos relevantes de seu governo, para além das submanchetes. E talvez seja esse o maior desafio de seu governo.

Eu sou a Flávia Tavares, editora do Meio. Aqui, a gente acredita em jornalismo que cobre o que é bom e aponta o que deve ser criticado, sempre buscando o diálogo e a convivência entre quem pensa diferente. Se esse é o tipo de jornalismo que te interessa, assine o Meio. São só 15 reais por mês.

A pesquisa Ipec divulgada no domingo não destoou tanto das anteriores. A avaliação do governo Lula 3 segue ruim em três áreas em especial: inflação, segurança pública e saúde. Isso também não é muito diferente da insatisfação dos brasileiros em outros governos ou em geral. Esses pontos sempre são os de maior preocupação da população e costumam se alternar entre si. Por algum tempo, o combate à corrupção passou a aparecer ali no top 3, mas não mais. E a educação, outro tema de recorrente preocupação, é a única de oito áreas em que o governo Lula foi mais bem avaliado do que mal.

É claro que isso mexe com Lula. Ele escolheu uma ministra para a Saúde com um super renome, que dirigia a Fiocruz, espécie de trincheira antinegacionismo, e que é um dos alvos preferenciais do Centrão. No meio disso, vem uma epidemia de dengue, denúncias de irregularidades na pasta, expansão do movimento anti-vacinas.

Na Segurança Pública, então, o problema é estrutural, histórico, com uma quantidade sem fim de nuances e questões regionais, e com a esquerda historicamente perdida, repetindo fórmulas de endurecimento das polícias. A fuga de dois detentos perigosos de um presídio federal em Mossoró também não ajuda em nada. O atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, falou essa semana que pensa em constitucionalizar que a União tenha o papel de coordenar a política de segurança de estados e municípios. Se ele colocar o Sistema Único de Segurança Pública, Susp, para funcionar como prometido já vai ser um grande passo. Mas esse é um debate válido.

De qualquer maneira, além dos problemas que cada pasta tem por sua própria condução, em ambas as frentes o governo ainda enfrenta, pra piorar, muita, mas muita fake news nas redes. Isso, no mínimo, distorce o que eventualmente é feito de bom. Enfrenta também uma atuação pesada do Congresso, mais conservador do que nunca e com maior apetite pelas verbas da Saúde do que nunca também.

É claro que o governo precisa melhorar nessas duas áreas, inclusive se quiser se manter competitivo eleitoralmente. Precisa melhorar tanto sua atuação quanto a comunicação dela.

Agora, na economia, discorde-se ou não da linha adotada pelo ministro Haddad e por Lula, é onde o Planalto considera que tem mais resultados positivos a mostrar. De crescimento acima do esperado a maior renda média dos brasileiros à redução da desigualdade a investimentos anunciados por diferentes setores, Lula sente que tem capital a explorar politicamente.

E aqui o que vem trabalhando contra não são as fake news, embora elas existam nesse setor também. É o fato de que realmente ainda não chegou na caixa do supermercado uma boa sensação de alívio. Ou nas contas de luz e água, da gasolina.

E isso tem tanto a ver com os preços de fato, que seguem altos em alguns itens fundamentais, como alimentos, como com a comunicação do governo.

Objetivamente, sim, o preço dos alimentos está subindo acima da inflação. O brasileiro é tudo menos tolo, percebe isso imediatamente. Uma das justificativas para esse aumento são as péssimas condições climáticas, é o El Niño. Mas a questão é que a maioria da população não está muito otimista sobre uma melhora nesse pedaço da economia. E, não à toa, mais de um mês atrás o presidente Lula fez desse o tema principal de uma reunião ministerial.

O que poderia ajudar a reverter um pouco isso, além de os preços realmente caírem? Aqui é a atualização que vale o presidente Lula fazer no seu software de décadas atrás.

Para melhorar sua aprovação, o resto do que Lula acredita ser “boa notícia” de seu governo tem que chegar na ponta, ressoar nas caixas das redes sociais, bem além das manchetes.

E aqui voltam a operar tanto as falhas do próprio governo em comunicá-las quanto a máquina da extrema direita em abafá-las, em impor sua própria agenda. Mesmo fora do Planalto, esse é um ativo que os radicais não perderam, ao contrário. Ganharam um aliado de peso nas últimas semanas, Elon Musk, que embora se direcione mais ativamente a Alexandre de Moraes, do Supremo, não deixa de retroalimentar a rede extremista e alfinetar Lula, chamando o presidente até de cadelinha do Xandão.

A lição das lendas do jornalismo da conversa de anos atrás com Lula está mais válida do que nunca. Para não ter manchetes negativas, basta não dar motivos para uma. Na ampla maioria das vezes, isso não é porque o jornalista vai fazer picuinha ou como uma grande conspiração — e claro que aqui estou falando de jornalismo sério, né?

Mas, além de pensar nas manchetes, essa lição fica ainda mais valiosa quando se pensa em redes sociais e na forma como atuam as milícias digitais, em coordenação, em torno de cada frase que Lula disser.

Se por um lado é verdade que a extrema direita vai usar qualquer coisa dita por Lula para atacá-lo, também é verdade que quando o presidente modera seu discurso fica bem mais difícil pintá-lo de algo que ele não é.

Basta notar como quando Lula repreende Nicolás Maduro sobre a condução das eleições na Venezuela ou passa duas ou três semanas sem uma declaração “polêmica” o bolsonarismo nas redes fica perdido e volta suas fichas contra o Supremo. É nessa trégua que as “boas notícias” de Lula podem trafegar.

E com menos gritaria nas redes e um ecossistema cada vez mais rico de jornalismo, as manchetes que contemplem as ações do governo e aquelas com as devidas críticas pertinentes terão seu lugar e não incomodarão tanto.

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