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A ira de Lira

No alto da Mesa Diretora da Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), não teve paciência para esperar os ânimos se abrandarem e insistiu em abafar a catarse que vinha da planície do plenário. Era um grito de alívio. Os deputados da base governista comemoravam com punhos fechados e erguidos: “Marielle, presente”, “justiça”, gritavam, saudando a vitória sobre a extrema direita e grande parte do Centrão, vencidos na votação que manteve na cadeia o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado pela Polícia Federal de ser o mandante do assassinato de Marielle Franco e Anderson Torres, crime ocorrido em março de 2018, no centro do Rio de Janeiro. “Posso proclamar o resultado, gente, por favor?”, apelava Lira, metendo o dedo na campainha, que fica bem ao seu alcance, debaixo da mesa. A turma demorou alguns segundos na comemoração, mas obedeceu. O presidente passou a cantar o resultado: “Eu vou repetir o resultado. Sim 277, pela manutenção da prisão e aprovação do parecer. Não, 129. Abstenções 28 de um total de 434 votantes”, declarou.

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Aquela não era a primeira reprimenda da sessão. Lira havia se irritado com o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), quando foi questionado sobre o “efeito administrativo” do “não voto”. Efeito administrativo é como os deputados chamam o desconto feito em seus pagamentos toda vez que faltam a alguma votação. Rompendo a regra, na quarta-feira, o julgamento da prisão de Brazão não teria esse desconto. Lira havia aceitado uma estratégia desenhada por partidos da direita e do Centrão para esvaziar a sessão. Era uma tentativa de impedir que os governistas conquistassem 257 votos para manter o deputado suspeito atrás das grades.

No microfone das lideranças, Alencar iniciou sua exposição, lançando luz exatamente ao acordo que Lira gostaria de ver abafado: “Tem efeito administrativo, como de praxe”, disse o deputado do PSOL. A partir daquele ponto, Lira cuidou para que Alencar não terminasse uma frase sequer.  “Não tem, porque o senhor sabe…”, retrucou o presidente da Câmara. “Deputado Chico, nós não vamos aqui polemizar. Eu li aqui que quem votar pela abstenção ou não votar sabe o que está fazendo. Sabe o efeito do voto que está dando. Nós não temos aqui criança. O assunto é sério e nós não vamos dissimular sobre isso”, respondeu e mandou seguir o barco. “Como orienta o bloco?”

Minutos antes, o esbregue havia sido para o deputado Abílio Brunini. O deputado resolveu questionar se o que estava sendo votado era a cassação do mandato de Brazão. “Não precisa nem fazer uma pergunta dessas, deputado Abílio, por favor”, respondeu, enquanto o parlamentar mato-grossense se esquivava de ouvir a resposta completa diante das câmeras.

Há duas semanas, não gostou de ser questionado sobre seu possível interesse na posição de Nísia Trindade comandando o Ministério da Saúde. O assunto “Nísia” o fez explodir quando abordado pelo Meio. “Que situação chata! Vou ter que botar uma faixa aqui dizendo que nós não queremos o Ministério da Saúde para vocês entenderem?”, respondeu o alagoano. “Não queremos o Ministério da Saúde. Não queremos espaço nenhum!”

Lira anda irritado. Mais do que de costume. A artilharia voltada para o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, nesta quinta-feira, em uma entrevista em Londrina, não chega a ser uma surpresa. O tom é que denota exaustão. Um desespero que ressalta na medida em que o alagoano vê a ascendência que sempre teve sobre grande parte dos deputados escorrer pelos dedos. Lira sabe que a chance de fazer um sucessor na Presidência da Câmara fica cada vez mais ameaçada e vem distribuindo respostas atravessadas. Não é de hoje que ele perde as estribeiras diante de perguntas de jornalistas que não são de seu agrado.

A reação de Lira à pergunta sobre a votação da prisão de Brazão indica que ele nada gostou de ver seu nome preferido — o deputado baiano Elmar Nascimento (União Brasil) — derrotado. Elmar havia participado ativamente das articulações para livrar Brazão, defendendo a tese de que o Legislativo não poderia se sucumbir ao Judiciário. Era um aceno aos bolsonaristas. A estratégia não funcionou.

Ao mesmo tempo, Lira viu possíveis adversários em posições diferentes. Antônio Brito (PSB-BA) votou a favor da manutenção da prisão. Já Marcos Pereira (PR-SP) se absteve. “Cada um adotou uma estratégia diferente. Elmar Nascimento tentou se aproximar dos bolsonaristas, Marcos Pereira tentou se colocar como ponderado e Brito tentou manter o senso de justiça, acenando para os progressistas. Só o tempo vai dizer quem acertou”, explica o cientista político Jorge Ramos Mizael, diretor da Metapolítica, ao Meio.

O fato é que a votação da prisão deixou explícita a face corporativista da Câmara. No entanto, não foi esse o argumento vencedor. Diante de um crime grave, que suscita olhares da sociedade para o voto de cada deputado, prevaleceu o interesse de não parecer complacente com o crime. “Lógico que foi uma maioria apertada, mas foi uma maioria. Então, isso mostra que boa parte dos deputados tem a preocupação com o acompanhamento social e rejeitou vincular sua história com a condescendência com um crime político grave.”

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