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O fim de Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal no caso da fraude dos cartões de vacinação. Isso quer dizer que agora o Ministério Público Federal, no caso a Procuradoria-Geral da República, tem de dizer se quer arquivar o caso, investigar mais ou se já denuncia Bolsonaro e os demais indiciados para o Supremo Tribunal Federal.

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Essa investigação é uma das três que têm o ex-presidente como alvo no inquérito das milícias digitais. As outras duas são a das joias sauditas e a da tentativa do golpe.

Pra quem não acompanhou o noticiário, um breve resumo: a Polícia Federal apurou, tendo como ponto de partida a delação de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que havia um esquema para fraudar cartões de vacinação contra a covid-19. Cid primeiro falsificou cartões para ele e sua família.

De acordo com seu depoimento, quando Bolsonaro soube, pediu que ele falsificasse cartões também para si e sua filha caçula, Laura. A fraude envolvia também, entre outros, servidores da prefeitura de Duque de Caxias, que inseriam os dados falsos no sistema do Ministério da Saúde. Entre eles, um de sobrenome Brecha, pra deixar tudo mais saboroso.

O ajudante de ordens contou à PF, vejam vocês, que a ordem para a confecção dos cartões falsos do ex-presidente e sua filha veio direto de Bolsonaro — diferentemente de declarações anteriores do próprio Cid, que já havia dito que não tinha recebido o comando do chefe, e também de Bolsonaro, que sempre negou participação. Cid relatou também que imprimiu os cartões no Palácio da Alvorada.

Mais do que o mero relato de Cid, a PF baseia o indiciamento no fato de que as impressoras do Alvorada foram usadas nos cartões. E que Cid estava no palácio, pelos registros de entrada e saída.

Ou seja, é bem mais que convicção e delação, é prova.

A PGR agora vai avaliar se são provas o suficiente. E, depois, se a denúncia for feita, o Supremo vai julgar a responsabilidade de cada um e decidir o tamanho das penas, não sem antes ouvir a defesa dos envolvidos.

O nome disso é devido processo legal. E ele importa. Enormemente.

É por isso que os mais afoitos pela prisão de Bolsonaro, ou de generais golpistas, ou de qualquer outro cúmplice nos malfeitos do ex-presidente precisam ter paciência. O cumprimento desse rito todo vai ser imprescindível para que uma condenação, caso ela venha, seja legítima e para que haja pouco espaço para acusações de perseguição política.

Claro que essas acusações virão da base bolsonarista mais fiel, é inevitável. Mas a maioria democrática do país precisa sentir segurança no processo para não ser cooptada pelos mais radicais. É isso que pode decidir o começo do fim de Bolsonaro.

Eu sou a Flávia Tavares, editora executiva do conteúdo premium do Meio. E o que é esse conteúdo? São duas newsletters especiais, uma aos sábados e outra às quartas-feiras, com reportagens, entrevistas e análises de maior fôlego, produzidas pela equipe do Meio. Sábado passado explicamos a confusão na Petrobras, falamos do sumiço da princesa e de mangás. É esse o nível de diversidade do nosso jornalismo. Legal, né? Assina, são só 15 reais por mês.

Desde que Bolsonaro foi derrotado nas eleições de 2022, e especialmente depois que ele deixou o Planalto, existe um dilema para quem não é bolsonarista: seguir comentando, compartilhando e noticiando o que acontece com ele e, assim, dar palco para um ex-presidente golpista e seu movimento, ou virar o disco, tirar o foco, pensar no presente e no futuro?
Do ponto de vista jornalístico, é evidente que o que acontece com um ex-presidente, ainda mais se envolve a apuração de crimes, interessa. Tanto porque é quase que literalmente a definição de notícia, no sentido de ser de interesse público, quanto porque, para os atores políticos, é importante ter o escrutínio da imprensa sobre se há eventuais abusos por parte de algum lado.

Foi nisso que uma fatia bastante expressiva da imprensa errou na Lava Jato. Em muitos momentos, ela se absteve de fazer esse exame antes de divulgar o que vinha dos procuradores e do juiz do caso e foi pega de surpresa com o que a Vaza Jato revelou.
Bom, a Lava Jato completou dez anos. Tem muitas lições ali que devem, ou deviam, ser aprendidas. O Brasil ainda está buscando o equilíbrio entre punir demais ou de menos seus políticos, seus poderosos.

A Lava Jato representa o auge desse desequilíbrio. A corrupção na Petrobras é um fato. Já foi admitida inclusive por Lula. Empreiteiras pagaram propinas a diretores para conseguir contratos. Esse dinheiro foi usado para abastecer campanhas eleitorais. Só que a sanha de punir alguns políticos em particular, perfeitamente exemplificada nas conversas entre Deltan Dallagnol e Sergio Moro, contaminou tudo, levou a exageros e forçações de barra em forma de tela de PowerPoint.

Com a Vaza Jato e a ida de ambos para a política bolsonarista, sem escalas, ficou provado o projeto de poder desse grupo. Some-se a isso o esforço sem pudores da classe política para minar os instrumentos de investigação e punição aos seus. E membros do Judiciário tentando reparar o passado desfazendo pedaços do que havia de certo no processo. Daí, temos hoje um desmanche completo de tudo, até do que era legítimo na Lava Jato. Acabou.

E por que estou falando de Lava Jato para tratar de Bolsonaro? Porque desde que começaram a vir à tona as provas de que ele praticou mesmo crimes em sua gestão, além das provas que ele mesmo oferecia diariamente em suas lives e no cercadinho, a pergunta que paira é quando ele vai ser preso.

Ou, desde a semana passada, com os depoimentos dos ex-comandantes da Força Aérea e do Exército, a expectativa é de generais golpistas na cadeia.

É muito possível que elas venham, sim. Só que, se as lições da Lava Jato foram aprendidas, e no quesito coleta de provas concretas parece que foram, Alexandre de Moraes talvez frustre essas expectativas no quesito tempo.

Isso porque é preciso que cada passo da investigação, da denúncia e do julgamento seja coberto de lisura. Já é uma tarefa bastante difícil de convencer mais da metade do Brasil que o Supremo pode ser um júri minimamente imparcial. Uma pesquisa mostra que 51% dos brasileiros simplesmente não confiam nos ministros.

Alexandre de Moraes é o segundo mais confiável para os entrevistados. E é o terceiro menos confiável, atrás apenas de Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Não ajuda muito que os mais midiáticos dos ministros deem entrevistas dia sim, dia também opinando sobre o bolsonarismo, claro.

Mas se o devido processo legal for seguido à risca nos casos que envolvem o ex-presidente é possível diminuir essa distância entre quem confia ou não na Corte e na Justiça.

O tempo do devido processo legal não é o mesmo da política. É provável que, até Bolsonaro e os generais serem julgados, condenados e presos, o cenário político já seja de uma vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, por exemplo. Ou de muitas vitórias da direita nas eleições municipais. Isso pode virar o jogo pro lado de uma anistia cedida pelo Congresso.

Eu espero que não, que a Justiça consiga cumprir seu papel e de uma forma correta e convincente. Isso vai ser fundamental inclusive para ajudar a proteger a democracia. Porque a gente não pode achar que uma eventual prisão de Bolsonaro acaba com o bolsonarismo.
O bolsonarismo tem tudo para seguir vivo porque é uma visão de mundo. É uma lente pela qual perto de um terço dos brasileiros entende o Brasil. Essa lente é militarista, religiosa, nacionalista e conservadora. É a mesma dos próprios militares. E é por isso que o mito do “general legalista” não passa disso, de mito. Porque ele interpreta as leis de um jeito bem peculiar e porque a cultura militar é a de intervenção e tutela. Simples assim.

Não é à toa que Bolsonaro segue viajando o Brasil e postando vídeos de pequenas multidões o prestigiando. Ele precisa reforçar o tempo todo que tem esse capital político, que representa esse pensamento, essa visão, na esperança de realmente seguir sendo seu representante. Ainda que na posição de mártir.

A única forma de não se tornar esse mártir é se for preso de uma forma quase incontestável. Quase porque, como eu disse, sua base mais fiel vai contestar, claro. E porque numa democracia ele tem o direito de contestar até o último recurso — e mesmo depois de preso ele pode seguir jurando que é inocente, se assim quiser. Só que, se as provas forem boas, concretas e se os juízes agirem com a parcimônia que lhes é pedida pela Constituição, ele terá de cumprir sua pena e pagar o que deve por tentar destruir a democracia, fraudar a saúde pública, e roubar.

É esse o equilíbrio de que precisamos.

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