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Com amor, Toffoli e Lira

A Lava Jato foi um problema, não só em Curitiba, mas principalmente em Curitiba. Foi um problema porque, ali, o juiz Sérgio Moro e os procuradores liderados por Deltan Dallagnol escolheram que teriam um alvo político específico para além da investigação criminal. O PowerPoint virou meme da internet por não ser possível sustentar com provas aquele bando de círculos apontando pra Lula como líder de uma quadrilha. A condenação do presidente é questionada por um sem número de advogados do ramo. E aí tem os detalhes mais sórdidos, né? A delação que não fica de pé do ex-ministro Antonio Palocci divulgada sem motivo aparente às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais de 2018. Com cara, com jeito, com cheiro de jogada política para influir nas urnas. E tudo ficou muito mais feio quando dias após a vitória de Jair Bolsonaro, Sérgio Moro aceitou de bom grado deixar a carreira na magistratura para assumir como seu ministro da Justiça.

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Ali ele deixou claro que o juiz não só parecia ter lado político. Ele tinha lado político e não deixou o cadáver do sistema político brasileiro sequer esfriar pra mostrar a camisa que vestia por baixo do terno preto. Com o tempo, ficou óbvio que também Dallagnol tinha lado.

O problema que a atuação política da turma de Curitiba gera são dois. O primeiro é que crimes aconteceram e a investigação ficou muito capenga. O segundo é que, justamente por conta de a ação ter sido muito mais política do que judicial, estamos indo para um lugar muito pior do que aquele em que estávamos antes da Lava Jato. Os mecanismos de controle, desmontados. A credibilidade do Poder Judiciário, no chão. Um Poder Legislativo ainda pior do que o do Mensalão. No centro dessa história, neste momento, há dois personagens. Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados. E José Antonio Dias Toffoli, ministro do Supremo. Eles não estão sozinhos, claro. Tiveram muita ajuda, principalmente do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Para entender a mecânica da corrupção, no Brasil, é preciso antes se desfazer de um preconceito comum. Na corrupção brasileira, enriquecimento ilícito é um mal menor. Existe, mas não é o foco. O que motiva a corrupção, dentre os políticos eleitos, é acúmulo de poder mais do que acúmulo de dinheiro. Há enriquecimento ilícito, aqui no Rio tem ex-governador que focou nisso. Mas esses tipos de político são a exceção, não a regra. O enriquecimento costuma ser mais consequência do objetivo principal. Da busca por mais poder.

Por que o Centrão vem aumentando, na Câmara dos Deputados, a cada ciclo eleitoral? Porque essa é a estratégia do Centrão desde o governo Fernando Henrique. Quando um deputado troca seu voto com o Palácio do Planalto por verba para comprar ambulâncias para sua cidade, ele talvez não tenha colocado um tostão no bolso. Mas aquilo fortalece seu grupo político local. Aquilo elege dois vereadores a mais, que vão ajudar o deputado a se reeleger. Na eleição seguinte, serão mais cinco vereadores, o deputado vira prefeito e seu filho vai ser deputado. Na terceira eleição, são dois deputados e o original vai parar no Senado. Esses grupos vão crescendo porque seu foco, na Câmara, é só um. Trazer pro seu bolsão eleitoral equipamentos, obras, centros sociais, instrumentos que se convertam em voto. Enriquecem, sim, em muitos casos. Mas o principal é que aumentam seu poder.

Mas é bom para a sociedade, não é? Afinal, a ambulância está lá. Só que ninguém avalia onde no Brasil se precisa de mais ambulâncias, que viaduto é importante construir. Cada vez mais o critério para distribuir verbas é que deputado vai gerar votos na Câmara, não que região do país tem urgência. Um levantamento feito pelo jornal O Globo mostrou como a cidade de Barra de São Miguel, nas Alagoas, já havia recebido dez milhões de reais em verbas. Isso só em dois anos do governo Jair Bolsonaro. É uma cidade com menos de nove mil habitantes. Quem governa Barra de São Miguel? Benedito de Lira. Pai de Arthur Lira. E, não, o fluxo não ficou diferente no governo Lula. Vamos conversar melhor sobre isso?

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Você por algum motivo precisa falar com jornalistas de vez em quando? Isso é algo que mexe com os nervos? Precisa falar no vídeo? Precisa se comunicar pelas redes? Existe um tipo de curso, que é o de media training, em geral muito caro, mas que ensina os traquejos. Bem, aqui no Meio a gente é do ramo. A gente sabe falar pra câmera, nós somos jornalistas, e somos digitais. E a gente vai oferecer um curso de media training. Um curso que cabe no seu bolso. Chamamos para isso três feras, três especialistas na coisa. Leila Sterenberg, Natália Lima e Elis Monteiro, que vão dar aulas de media training, essencial para quem quer construir uma marca pessoal ou empresarial que seja forte no mundo digital. Assinante do Meio tem 20% de desconto, tá? Só esse desconto já quase paga a assinatura premium. Assina o Meio, pega o desconto e já assiste à primeira aula. Vai ser no dia 29 de fevereiro, ao vivo, com a Leila.

E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Em setembro de 2021, Jair Bolsonaro achava que ia conseguir emplacar um golpe de Estado. Achava que, no dia da Independência, ia conseguir botar tanta gente na rua que motivaria seus aliados a uma ação de força. Quando o dia ia terminando, se empolgou tanto com a multidão que foi assisti-lo na Avenida Paulista, que em alto e bom tom prometeu que ia rasgar a Constituição. Afirmou, para quem quisesse ouvir, que não obedeceria mais ordens do Supremo Tribunal Federal. Naquela noite, voltou pra Brasília e descobriu que não tinha o Exército e que, no Congresso, só se falava em impeachment. O presidente da Câmara, Arthur Lira, sumiu por dois dias. Se entocou nas Alagoas, não conversava com ninguém. Porque, se conversasse, teria de responder o que achava do impeachment. Uma das maiores águias políticas do Brasil, o presidente do PSD Gilberto Kassab, começou a dar entrevistas em on falando que talvez tivesse chegado a hora de o Congresso antecipar o fim do mandato de Bolsonaro.

Essa história, vocês sabem como terminou. Michel Temer veio às pressas, pôs panos quentes na relação de Bolsonaro com o Supremo, e de mãos atadas o presidente entregou para Lira o poder sobre o Orçamento. Nasceu o que chamamos de Orçamento Secreto. Mas esse é um movimento que já vinha de muito antes, desde que Michel Temer, ele próprio, havia presidido a Câmara dos Deputados, no segundo mandato de Fernando Henrique. Temer organizou a Casa como ninguém havia feito antes. Tinha sempre uma planilha através da qual sabia como que cada deputado votaria. Não lidava com os parlamentares no varejo, fazia tudo pelo Colégio dos Líderes. E assim negociava com o Executivo. O que negociava? A mesma coisa. Verbas, projetos pessoais dos parlamentares, e em troca oferecia votos.

No governo Lula 1, a relação se tornou mais direta, com o Mensalão. Um grupo de parlamentares recebia uma grana para votar com o governo e gastar em campanha. Aí a bomba explodiu e o esquema precisou mudar. Porque não se trata apenas de verbas do Orçamento, não é? Não é só aprovar os projetos dos parlamentares. Existem outras maneiras de gerar dinheiro para campanha eleitoral. São muitas estatais e muitos cargos no própro Poder Executivo com acesso a muitas verbas e a decisão de onde gastar esse dinheiro. É aquela frase do Severino Cavalcanti, um ex-presidente deplorável que a Câmara teve. “Eu quero aquela diretoria de cavar poço.” Pois é. Toda diretoria que faz obra precisa fazer contrato, e na escolha da empreiteira tem sempre um percentual para colocar no bolso.

Nada disso é novidade. Toda legislação que criamos nos últimos vinte anos para controlar corrupção se baseia na compreensão de como a coisa funciona. Então como políticos mais corruptos são condenados, mas continuam se elegendo, faz-se a Lei da Ficha Limpa. Como sabemos que tirar gestores profissionais das estatais para colocar políticos sempre dá problema, entra a Lei das Estatais que veta isso. O Coaf fica monitorando toda sorte de movimentação que escape ao padrão normal de compurtamento financeiro de gente politicamente influente. Bolsonaro quase matou o Coaf. Por quê? Porque o Coaf descobriu a rachadinha dos seus filhos. O governo Lula, com toda ajuda do Congresso, matou a Lei das Estatais. Por quê? Pra botar políticos na direção dessas empresas.

Arthur Lira pôs o Poder Executivo de joelhos como nunca havia acontecido antes. Ele controla voto de um monte de deputados. Nunca tivemos uma Câmara tão poderosa. É uma Câmara que usa seu poder para criar uma máquina de eleger Centrão, de fortalecer Centrão. Vai piorar mais. E, agora, José Antonio Dias Toffoli está tirando as condenações que as empresas punidas pela Lava Jato receberam. Retirando as multas. Estamos falando de empresas que devolveram dinheiro roubado, com inúmeros executivos que foram réus confessos. E Toffoli está fazendo tudo isso de forma monocrática. Uma decisão desse tamanho sem passar pelo pleno do Supremo. Nem sequer por uma turma. Nada.

O estrago provocado por Bolsonaro na democracia brasileira está aí. Estamos com uma democracia de muito pior qualidade. O avanço real que houve na qualidade de gestão da coisa pública, na regulação, tudo está sendo perdido. E, olha, parte do PT concorda com isso. Porque quer mesmo ter mais controle partidário da máquina do Estado. Não lhe agrada a separação entre a gestão profissional e o embate político.

Mas houve uma revolta popular, entre 2013 e 2014, com um Estado que não entregava o que devia entregar. Hoje a gente piorou tanto, que as prioridades viraram outras. Tem de voltar a botar a economia de pé, acabar com fome. Mas educação continua muito ruim. A segurança é um caos. E resolver tudo isso depende de uma administração capaz, organizada. O Executivo precisa conseguir fazer as duas coisas. Política e gestão, e gerenciar os conflitos que acontecem entre um e outro. Não é possível ter uma gestão de qualidade se todo gasto segue critérios políticos e políticas de Estado se dissolvem.

Se isso aqui parece discurso moralista, udenista, não é. É só constatação. O Brasil piorou muito, tem gente ativamente trabalhando para que essa piora seja consolidada. Isso mata futuro. Mas não se enganem. Vai ter um dia aí que 2013 vai voltar. A sociedade já se levantou uma vez, vai acabar se levantando de novo.

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