Janja, extrema direita e misoginia
É horrível os buracos que eu me enfio pra fazer algumas Curadorias, vamos nessa. E é bom que vocês apreciem.
Rosângela Lula da Silva, Janja. Primeira-dama. 57 anos. A gente às vezes pára e pensa quantos títulos, ou qual posição, uma mulher tem que ocupar pra ter respeito, né?
Mas olha, nem quando uma mulher era presidente ela tinha seu corpo respeitado.
O que nos faz pensar que uma primeira-dama, ou primeira-companheira como ela gosta de ser chamada, será respeitada?
A laureada do prêmio Nobel da Economia, Claudia Goldin, foi alvo de ataques em comentários sobre sua vitória (https://youtu.be/iOm1zDExaV8). Isso que a pesquisa dela é justamente sobre a diferença salarial entre homens e mulheres. Ela estuda exatamente as barreiras que atrapalham a sociedade a atingir a igualdade de gêneros no mercado de trabalho.
E ainda assim, nas matérias que tratavam do assunto, os comentários eram cheios de homens e mulheres a desrespeitando.
Janja foi hackeada no Twitter das 9h30 da noite até 10 e meia de segunda. Foi quase uma hora de ataque.
Mas o que isso diz sobre nós enquanto sociedade?
Então, misoginia, né?
A Polícia Federal já cumpriu quatro mandados de busca e apreensão em Minas Gerais. A gente não sabe se é uma adolescente, um adolescente, um homem, uma mulher, a gente não tem nenhuma informação sobre isso.
Que bom, também, porque a gente não precisa que a extrema direita tenha outro criminoso como herói. Porque vale lembrar que atiradores em massa se tornam, sim, heróis em fóruns de extrema direita. Em fóruns que disseminam teorias conspiracionistas baseadas em “certo e errado”, “nós e eles”.
Esse nós e eles dessas teorias desumanizam o outro, tornam o outro alvo de desrespeito, piada, tornam o outro um alvo. As teorias da conspiração são como uma porta de entrada para alimentar o medo em pessoas vulneráveis que aceitam aquilo como verdade e, pouco a pouco, se alimentam daquela fonte de absurdos e começam a vivenciar uma realidade absurda e fictícia.
O problema é que essa tática é altamente eficaz. Porque ela faz a pessoa acreditar que grupos minoritários querem dominar o mundo para o mal, e ela também faz a pessoa duvidar de toda fonte de notícia que seja verificada. Entenda, eu to falando de teorias da conspiração que são misóginas, racistas, e que seduzem as pessoas a acreditarem numa visão de mundo que é mentirosa. Teorias que deterioram a democracia porque promovem discurso de ódio, mobilizam a violência e implementam dúvidas em governos e instituições científicas.
Essas teorias são danosas porque elas colocam a sociedade toda em risco. Quer um exemplo? Movimento antivacina. Os antivaxx colocam a sociedade toda em risco ao não se vacinarem, ao não vacinarem seus filhos. Além de se colocarem em risco. A poliomelite, erradicada em 1994, está em alto risco de retorno por conta da queda vacinal. O sarampo, também. Em 2016 tínhamos o certificado de eliminação da doença. Três anos depois, em 2019, perdemos esse reconhecimento.
Tudo por conta de uma onda conspiracionista que afeta as pessoas a duvidarem de tudo que elas vêem. Duvidarem de métodos científicos, duvidarem de porcentagens, de estatísticas, de governos, grupos minoritários.
Aqui vou trazer a fala da Luka Franca, coordenadora do Movimento Negro Unificado de São Paulo: A misoginia é a porta de entrada para a extrema direita. Não é possível combater o discurso de ódio sem combater o machismo e o racismo. É fundamental isso, porque eles trabalham justamente na normalização do meme misógino, racista, para, então, partir para a normalização do meme nazista, da ironia nazista.
Em alguns casos a família daquele jovem é nazista mesmo, mas na maioria dos casos são meninos de famílias trabalhadoras, suas mães estão se virando em dois ou três trabalhos. Pode acontecer com o filho de qualquer pessoa”
Essa fala não é exclusiva de Luka e nem do cenário brasileiro. O serviço secreto americano colocou em 2019 a misoginia como uma preocupação nacional como fonte para a radicalização de atacantes em massa.
O documento trata dos Chans de como o 4Chan e o 8Chan foram responsáveis por propagar ainda mais ideologias violentas com a proteção de se estar anônimo. O QAnon uma das principais teorias da conspiração da extrema direita foi disseminada nesses chans. Nasceu no 4Chan. 08
Na pesquisa ainda falam sobre os incels, os homens que se autodefinem celibatários involuntários, porque se consideram não desejáveis pelas mulheres e por isso incapazes de terem um relacionamento sexual ou romântico ao qual eles se sentem no direito de ter.
Aqui é bom notar que eles se sentem no direito de ter o relacionamento, mas eles raramente respeitam as mulheres, né?
E os homens, online, se juntam nesse sentimento. De que eles são uma classe oprimida, de que os homens são alvos da sociedade. E nisso eles se acolhem e dividem pensamentos misóginos. São vários grupos desses lá fora, que tentam flertar com mulheres baseado em manipulação, que lutam pelos direitos dos homens, porque acreditam que homens tem menos direitos que mulheres.
Bom, nos Estados Unidos, ali em 2019, eles mostram que dois atiradores em massa se declaram incel e eram consistentemente misóginos online. Inclusive com um deles tendo escrito uma lista de garotas para estuprar no ensino médio.
Grave, né? No ensino médio.
A violência contra a mulher começa assim. Com a misoginia como piada. Com piada com feminista, com piada sobre desvalorizar o corpo da mulher, violentá-lo. Estupro. Não é piada. É misoginia. Quem ri, concorda.
Não vale repercutir o que uma pequena pessoa disse ao hackear a conta da primeira-companheira. São absurdos ridículos, mas que mostram o problema da nossa sociedade ao lidar com a internet.
Foram vários tweets de teor sexual que diminuíam a mulher com base no seu corpo. Tweets misóginos. Que falavam sobre o ódio às mulheres.
Ele também falava sobre o Alexandre de Moraes, sobre Bolsonaro.
A gente não sabe quem hackeou. A gente sabe que quem hackeou
As respostas aos tweets mais problemáticos eram de homens e mulheres rindo. Rindo em conivência a detração do corpo de uma mulher. Isso que 95% de nós tememos ser vítima de estupro. Um crime. Uma violação corporal.
Quando a gente fala de cooptação de jovens pela extrema direita com a misoginia de porta de entrada, a gente não tá excluindo meninas e mulheres. Elas também podem ser cooptadas. Elas também dão risada de conteúdo misógino porque se sentem protegidas pela ideologia que apoiam. 10
Quando, na verdade, todas as mulheres e meninas tem seus direitos colocados em cheque quando um político misógino está no poder. É só ver o governo Bolsonaro, que diminuiu em 94% o orçamento para combater a violência contra mulheres.
São as mulheres que saem perdendo os primeiros direitos quando um político misógino toma o poder.
E nos comentários das postagens de piadas sobre estupro eram homens, meninos, meninas e mulheres rindo. 18 milhões de mulheres foram vítimas de violência em 2022.
Tudo isso aconteceu, ainda por cima, numa plataforma que vem perdendo a estabilidade desde que Elon Musk comprou-a para si. E o Twitter piorou desde então. Tem mais discurso de ódio, tem mais conteúdo antissemita, teve até empresas que pararam de anunciar na rede social por conta de posts do Musk que foram antissemitas.
Inclusive, o post do próprio Musk foi sobre uma teoria da conspiração que acusa judeus de quererem terminar com a raça branca.
Além de ser uma teoria da conspiração antissemita ela propaga dentro dela um sentimento de medo por conta da supremacia branca.
O Musk também já postou uma foto da Amber Heard num cosplay de uma personagem de Overwatch. Aparentemente, ela não deu o consentimento pra ele postar a foto. Isso que a Amber foi vítima de misoginia online enquanto processava o JOhnny Depp. A internet já tinha decidido o destino dela muito antes do veredicto do júri.
A radicalização online não pode continuar. É fácil essas células de extrema direita se organizarem por chans, pelo discord, pelo Twitter – que cada vez menos pune o discurso de ódio.
A conta da primeira-companheira do nosso país ficou UMA HORA na mão de uma pessoa que a atacava em cada novo tweet. Que fazia piada com o corpo das mulheres. Além do descaso da rede social do Musk de levar uma hora pra resolver o problema, os aplausos nos comentários. De outros e outras usuárias. Cerca de 822 mil mulheres são estupradas no Brasil por ano.
Sinto muito pela Janja, sinto muito pelas mulheres que aplaudiram os comentários também. Sinto muito que os homens não tem empatia e nem respeito pelo corpo da mulher e espero que isso mude. Sinto muito pelas vítimas de violência sexual que precisam, além de sobreviver, viver num mundo que trata um crime como piada. Espero que o comportamento mude com educação, uma educação inclusiva que ensine homens a tratarem os outros com respeito, a se abrirem, a terem empatia com o próximo, solidariedade. Uma educação que ensine e promova igualdade. De gênero e de raça.
Só assim podemos ter esperança. No meio tempo, a gente espera que ninguém viole nossos corpos.