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Lula petroleiro, Lula sustentável

Dois Lulas. Um, falando com rádios da região amazônica, apenas quatro meses atrás. O outro, agora, na semana passada, em seu discurso na abertura da Conferência das Partes, a COP 28, que aconteceu em Dubai. Vamos começar pelo fim.

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Pois é. Olha que frase forte. “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis.” É hora mesmo. E é hora exatamente pelo motivo que Lula citou no início desse mesmo discurso. “No Norte do Brasil, a Amazônia amarga uma das mais trágicas secas de sua história. No Sul, tempestades e ciclones deixam um rastro inédito de destruição e morte. A ciência e a realidade nos mostram que desta vez a conta chegou antes. O planeta já não espera para cobrar da próxima geração. O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos. De metas de redução de emissão de carbono negligenciadas.” Frases de Luiz Inácio Lula da Silva.

Discurso forte. Contundente. Corajoso. Gente, ele fez este discurso em Dubai. No centro do petróleo do mundo. E este é o Lula de agosto.
O Suriname explora, a Guiana explora, Trinidad Tobago também, deve ter petróleo ali. Ele está falando da margem equatorial do rio Amazonas, de explorar petróleo ao lado da floresta. Aos cidadãos do Amapá, Lula diz que se for possível cuidar sem ameaçar fauna e flora, vamos lá. Vamos cavar poço. Vamos tirar mais gosma de fóssil do fundo do mar.

Deixa eu sublinhar uma coisa aqui. Por enquanto, até este momento, o governo ladra mas não morde. O Planalto pressiona, a Petrobras pressiona, mas rigorosamente ninguém atropelou o Ibama e o Ibama segue dizendo que não há segurança para realizar os estudos. Não, ao menos, no plano que a Petrobras apresentou. Então tudo bem, pressão é do jogo político, atropelar as instituições não é e, atropelar, até agora este governo não fez.

Mas enquanto Lula estava falando em trabalhar por uma economia menos dependente em combustíveis fósseis, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, estava lá, também, anunciando que o Brasil ia se juntar à OPEP+. Quer dizer, ia se tornar sócio secundário do principal organismo de lobby da produção petroleira. Vejam, Lula logo se explicou. “Não apito nada.” E é verdade. Opep+ não é a mesma coisa que Opep, é uma espécide de sócio de segunda categoria. O que o presidente explica é que quer se sentar com o pessoal do organismo criado para defender a produção de petróleo e convencê-los a produzir menos.

Tudo bem. Diplomacia tem disso mesmo. Ter um lugar à mesa é melhor do que não ter. Mas enquanto Lula estava ali, falando em usar menos combustível fóssil, o presidente da Petrobras estava falando em criar a Petrobras Arábia. Uma subsidiária da Petrobras no Oriente Médio. Sim. Jean Paul Prates. Sobre este, Lula explicou que ele tem uma mente fértil. Quer dizer, para a Opep+ o presidente tinha uma explicação já ensaiada. Para a Petrobras Arábia, não. Essa não tinha sido combinada. Prates saiu logo pra explicar que seria uma companhia de fertilizantes.

Olha, a gente pode fingir que não vê. Mas a relação do Brasil com petróleo é uma das contradições centrais do governo Lula 3. É um governo que, ao mesmo tempo, acha que o consumo de petróleo tem de aumentar e diminuir. Vamos conversar?

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Este aqui? Este é o Ponto de Partida.

No seu discurso quando assumiu a presidência da Petrobras, Jean Paul Prates pôs o foco na foz do Amazonas. Tem de descobrir onde está o petróleo lá e tirar o que der o mais rápido possível. Logo depois, em março, se encontrou com um jornalista da Bloomberg. Disse várias coisas. Uma, que o Brasil saiu atrasado no jogo de grande produtor mundial de petróleo. Outra, que o país precisa aumentar sua participação no mercado internacional. Quer dizer. Produzir mais petróleo, vender mais petróleo. Foi além. A Petrobras pode ser a última empresa a produzir petróleo no mundo.

A lógica é a seguinte: claro que há uma transição energética em curso. Claro que haverá países saindo na frente, abandonando o uso de diesel, de gasolina, de combustíveis fósseis por inteiro. Aos poucos, um por um. Mas sempre haverá aqueles últimos. Se depender de Prates, lá estará a Petrobras vendendo para eles. Mesmo que todas as outras petroleiras do mundo já tenham mudado de ramo, a Petrobras segue. Enquanto ainda tiver alguém querendo mais uma dose, o Brasil oferece.

Tudo certo. Ele é presidente de uma companhia de petróleo. Em geal os presidentes de companhias de petróleo pelo mundo dão uma disfarçada, né? Quando chamam um repórter para falar é para dizer do que estão fazendo para compensar o carbono, de como serão seus planos para o pós-petróleo. Gostam de falar de eólica, de solar, de química fina. Olha, podem até pensar como o Prates. Mas no mínimo a turma do marketing já explicou que é pra não falar. Dá para dizer até que Jean Paul Prates, ao menos, é sincero.

Ele está presidente da Petrobras. Era senador do PT, eleito pelo estado do Rio Grande do Norte, com quatro anos de mandato pela frente. Renunciou para assumir o cargo. Trabalhou na Petrobras lá atrás, foi consultor da área de energia. Ele é do ramo. É um petroleiro. E tudo certo. Obviamente acredita em sua missão na companhia, senão não tinha largado a cadeira de senador.

Mas está clara a missão na qual ele acredita, não é? Petróleo, petróleo, petróleo. Este é o foco também de Alexandre Silveira, ministro das Minas e Energia. Senador por Minas, pelo PSD de Gilberto Kassab. Hoje saiu uma entrevista dele no Estadão.
“Nós não vamos negar que as nossas fontes e a nossa prioridade energética são um fato. Então, nós não vamos nos envergonhar da nossa Petrobras. Não vamos nos envergonhar de termos o potencial também dos combustíveis fósseis no Brasil, e eles precisam ser explorados, porque o Brasil é um país onde as injustiças sociais ainda são muito latentes.”

Tudo certo. Somos um dos países com mais facilidade para não depender de combustíveis fósseis do mundo mas o presidente da Petrobras e o ministro das Minas e Energia estão dizendo com muita clareza. O caminho para justiça social passa pela exploração de combustível fóssil.
Como é mesmo aquilo que Lula falou lá na Opep, quer dizer, lá na COP?
Enchente, seca, essas coisas estouram é na cabeça de gente pobre. Dizer que se faz justiça social queimando fóssil é mentir. Não faz. Aumenta o problema.

Olha, o ministro da Fazenda Fernando Haddad está trabalhando duro para fazer a economia crescer pelo caminho da energia sustentável, pelo caminho da economia verde. O Financial Times pôs a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, entre as 25 mulheres mais importantes do mundo este ano. O que ambos têm em comum, Marina e Haddad, é a compreensão de que petróleo é um problema. Combustível fóssil é um problema.

O presidente é um só. Se a contradição sobre o papel do petróleo no futuro do país existe em seu governo, é por causa dele. É porque ele faz, simultaneamente, os dois discursos. O de que não dá mais para ficar jogando carbono na atmosfera e o de que vamos explorar petróleo até o final. Em comunicação a gente diz nessas horas que a mensagem não tem consistência. Muita gente no governo acredita que dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Não, não dá. Líderes fazem escolhas. Lula não quer fazer uma escolha na questão mais importante do século 21.

Tem uma esquerda velha que faz uns discursos como se mudanças climáticas fossem um complô do mundo rico para deixar o Brasil pobre. Presos nos anos cinquenta, não percebem que a economia verde, se pusermos toda energia nela, e aqui eu falo energia mental, mesmo, esforço, é uma vocação brasileira. Um veio de riqueza que a gente sequer começou a explorar. Vai ter petróleo por um tempo ainda? Vai. Mas a meta não pode ser tirar até a última gota. A meta tem de ser parar o quanto antes. O mais rápido possível.

Lula bem que podia ouvir o discurso de Lula na COP. Porque foi bom, viu?

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