Negacionismo de esquerda

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A atriz Leticia Sabatella usou suas redes sociais, que agrega mais de um milhão de seguidores, para compartilhar um texto de um site pró-Palestina que afirma que “a maior parte dos civis israelenses mortos no ataque terrorista do Hamas em 7/10/23 foi abatida por soldados israelenses”. Não foi a única. “Uma onda de novos depoimentos de testemunhas oculares indica que Israel matou muitos de seus cidadãos nodia 7/10 com tanques e mísseis Helfire, depois exibiu seus corpos como prova da selvageria do Hamas”, quem postou isso foi o ator José de Abreu.

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Um parêntese aqui. Abreu já foi processado por ter dito que o Hospital Albert Einstein teria apoiado uma conspiração para eleição de 2018 fosse decidida numa facada elaborada pelo Mossad [serviço secreto de Israel]. Segundo ele, isso teria sido comprovado pela vinda do PM [primeiro-ministro] israelense, Benjamin Netanyahu.

Se você der uma lida nos comentários de qualquer notícia sobre o massacre do dia 7 de outubro, vai encontrar dezenas de pessoas que ora dizem que Israel sabia de tudo, que afrouxou a segurança e permitiu a barbárie apenas para ter uma desculpa pra destruir a faixa de Gaza, ora vai encontrar gente que jura que nada daquilo aconteceu. Sério, a narrativa é de que os ataques não fizeram vítimas, que o Hamas não tinha a intenção de matar civis, que foram poucas mortes e que so aconteceram em confrontos.

Esse discurso é exatamente o mesmo de um importante líder do Hamas, Moussa Abu Marzouk, que se recusou, em entrevista à BBC, a admitir que o seu grupo matou civis em Israel nos ataques de 7 de outubro.

Marzouk alegou que apenas soldados e recrutas eram alvo e que “mulheres, crianças e civis estiveram isentos” dos ataques do Hamas. Veja, há dezenas de vídeos, de entrevistas, de depoimentos de jornalistas que cobrem guerra sobre a matança feita naquele dia. Imagens gravadas pelos próprios terroristas, que os mostram disparando contra crianças, jovens, adultos e idosos desarmados, mas tem gente que tem comprado versões mais confortáveis que se encaixam melhor nas bandeiras que levantam.

É totalmente legítimo se manifestar por um cessar fogo. É totalmente legítimo condenar as ações de Israel contra Gaza em resposta ao que massacre do dia 7 de outubro. É legítimo inclusive achar que Israel não tem direitos às terras que ocupa na região. O que não é legítimo é negar ciência, história, racionalidade. O nome disso é negacionismo e todos nós vivemos isso nos últimos anos sob o governo Bolsonaro. O negacionismo foi imediatamente relacionado aos movimentos de direita que colecionam inúmeros episódios de negação. Para eles, não houve ditadura, o numero de vítimas da pandemia é muito menor, aquecimento global é uma mentira, vacina mata mais do que a Covid.

O que estamos vendo agora é como o negacionismo é uma doença que afeta inclusive aqueles que sempre se orgulharam de acreditar na ciência e na história. Não importa o nível de validade científica ou a profundidade da argumentação apresentada, a quantidade de provas, fotos, documentos mostrados, a mente negacionista simplesmente se recusa a aceitar como verdadeiros os fatos.

O que estamos vendo nesse episódio da guerra entre Israel e o Hamas, é o contorcionismo de setores da esquerda que preferem ignorar uma informação ou adaptar a sua interpretação sempre que a realidade é desconfortável, apelando ao mesmo expediente usado pela extrema-direita. É negacionismo igual. De esquerda, mas negacionismo. Vamos falar sobre isso?

Eu sou Mariliz Pereira Jorge, comentarista e colunista do Meio. No Meio, nós acreditamos na ciência, na história, no jornalismo transparente. Se você está chegando agora, seja bem-vindo, se inscreva no canal e ative o sininho pra receber as notificações. Se você já é meu parceiro, deixa seu like, se gostar desse nosso bate-papo.

A primeira vez que ouvi sobre negacionismo em relação às vacinas não foi por causa da Covid e os negacionistas não eram pessoas de extrema-direita. Foi no começo dos anos 2000. Eu era repórter de saúde da Folha de S.Paulo e tinha a missão de entender por que havia uma “moda” de não vacinar as crianças entre pessoas de classe média alta. Eram jornalistas, artistas, intelectuais. Gente culta, preocupada com a desigualdade, PhD em namastê, que só come orgânico, recicla e compra na livraria do bairro, mas acha que vacina só no rabo dos outros.

Tudo porque em 1998, a revista The Lancet publicou um artigo que relacionava a vacina tríplice viral ao autismo. O artigo foi rebatido e rejeitado pela comunidade cientifica, mas o estrago estava feito. Conversei com gente que se recusava a vacinar os filhos apesar das evidências de que aquele artigo era cheios de falhas. Felizmente, o país tinha um programa de imunização exemplar e essas pessoas acabavam não comprometendo as campanhas, mas é um exemplo de como o negacionismo pode ser abraçado inclusive por quem tem acesso de sobra a informação. E informação é o que não falta nos dias de hoje, o problema é o que fazer com ela.

Negar a ciência não é um fenômeno novo. “O filósofo Giordano Bruno foi condenado à morte por defender a existência de vida em outros mundos. Galileu foi processado pela Inquisição e precisou negar as suas teorias sobre o Heliocentrismo – que coloca o Sol no centro do universo –, para não ter o mesmo destino do Giordano Bruno.

Na história, o episódio que marca o negacionismo é nada menos do que o Holocausto. Os negacionistas mais radicais afirmam que o genocídio de seis milhões de judeus não aconteceu. Que Aushwitz não era um campo de concentração, que as mortes que ocorreram eram em decorrência da guerra, que os judeus foram embora da Europa, que não havia um plano de extermínio em massa.

No Brasil, sabemos que a gente de sobra que nega que tivemos uma ditadura e que ela prendeu, torturou e matou. O mesmo se repete da Argentina, com a possível eleição de Javier Milei, que nega a ditadura mais sangrenta da América Latina, que matou cerca de 30 mil pessoas.
A Guerra entre Israel e Hamas tem produzido ainda em seu andamento uma sequência pavorosa de notícias falsas, de narrativas manipuladas, de teorias da conspiração, de comentários cruéis, de negacionismo.

Nesta quarta, uma influenciadora de origem paquistanesa foi detida na França depois de ter feito uma piada sobre um bebe israelense que supostamente teria sido colocado vivo num forno na frente dos pais. Ela perguntou, num vídeo, se teriam colocado sal e pimenta e qual seria o acompanhamento.

Sério.

A notícia não foi confirmada, mas amplamente divulgada por canais de direita. Na esquerda, as pessoas contestam qualquer notícia sobre os detalhes da barbárie. O que vemos nos dois lados é uma competição para provar a crueldade das mortes, como se os fatos não fossem suficientes para que o que aconteceu no dia 7 de outubro seja considerado uma barbárie.

A direita sempre manipula informações e adapta contextos para manipular opinião pública. Para vocês terem uma ideia, um levantamento britânico de 2018, feito pelo Wellcome Global Monitor, investigou como a população de mais de 140 países se posiciona em relação a questões de ciência e saúde. Setenta e cinco por cento dos entrevistados dizem que, quando a ciência discorda de sua religião, seguem a orientação religiosa.

O que estamos vendo agora é como a política pode ser uma religião e como é fácil contestar, discordar dos fatos quando esses não servem à sua ideologia. Por isso, gente como Leticia Sabatella e Jose de Abreu replica o tipo de estupidez que coloca na conta de Israel a morte violenta de 1400 cidadaos. Por isso, você vai ver nas redes sociais, gente negando que o 7 de outubro tenha sequer acontecido. Pessoas que passaram os últimos anos sofrendo com a infestação de noticias falsas promovidas por um governo de extrema-direita resolveram abraçar a causa das fake News em beneficio de suas pautas.

A narrativa mais recente é de que o governo de Israel está dificultando a volta dos brasileiros que estão em Gaza em retaliação ao governo brasileiro. Essa narrativa ganhou força depois do encontro do embaixador de Israel com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Não acredito que a gente ta falando desse sujeito desqualificado ainda.

Vamos la, obviamente, a atitude do embaixador é uma afronta ao governo Lula. O embaixador de Israel não tem que se meter nas questões políticas internas do país que o recebe. Se ele queria mostrar insatisfação com o governo Lula e com as declarações de alguns representantes brasileiros, escolheu a pior forma trazendo pra cena alguém que já foi jogado de escanteio. Mas vamos lembrar que o governo Netanyahu é o pior da história de Israel, assim, como o Bolsonaro foi o pior presidente que o Brasil já teve.

A questão é que a liberação da fronteira do Egito pra passagem dos brasileiros envolve outras questões. Há um fila de nacionalidades que tentam deixar a Faixa de gaza, a brasileira não é exatamente prioridade porque há outras com mais prioridade no jogo diplomático do que a nossa. Outro ponto, o Egito fechou a fronteira por causa da denuncia de que terroristas estavam tentando deixar Gaza dentro de ambulâncias, misturados a feridos. São informações do próprio embaixador do Brasil em Telaviv. Mas não adianta o embaixador explicar, o negacionista acredita no que ele quer, mesmo que não seja a verdade, porque a verdade não cabe na realidade que ele escolheu.

Vou repetir o que falei no começo do vídeo: É totalmente legítimo se manifestar por um cessar fogo. É totalmente legítimo condenar as ações de Israel contra Gaza em resposta ao que massacre do dia 7 de outubro. É legítimo inclusive achar que Israel não tem direitos às terras que ocupa na região. O que não é legítimo é negar racionalidade, negar história, negar a verdade.

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