Entra governo, sai governo, mas patrimonialismo persiste na cultura brasileira

Receba as notícias mais importantes no seu e-mail

Assine agora. É grátis.

PUBLICIDADE

Dois episódios envolvendo o governo brasileiro atual e o anterior seguem agitando o clima em Brasília: o escândalo envolvendo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, por uso indevido de aeronave da FAB e as oito tentativas do governo Bolsonaro de receber joias enviadas pelo governo saudita. Ambos os casos têm em comum o patrimonialismo, no qual os servidores utilizam seu poder no Estado para se apropriar de bens públicos como se fossem seus. O editor-chefe do Meio, Pedro Doria, avalia que o povo brasileiro não consegue reconhecer o problema do patrimonialismo no país. Em bate-papo no programa #MesaDoMeio, ele diz que “as pessoas não têm qualquer noção do que é público e do que é privado no Brasil. Essa fronteira é absolutamente permeável”. Também ressalta que não é apenas esta nação que passa por esse problema.

A colunista Mariliz Pereira Jorge destaca que cada país tem uma maneira de lidar com a corrupção, “mas aqui, eu tenho a sensação de que nada acontece, de que todas essas questões sempre vão ser desse jeito, porque as pessoas misturam público e privado e acham que têm esse direito”. O cientista político Christian Lynch avalia que esse problema estava melhorando nos anos 2000, mas a Lava Jato acabou prejudicando esses avanços com a descoberta da Vaza Jato, abrindo espaço para desacreditar o trabalho de fiscalização pelo poder público, o que fortaleceu os discursos de Bolsonaro contra o Judiciário brasileiro. Ele destaca a importância da estabilidade no setor público para que os servidores possam denunciar e resistir às investidas dos poderosos contra os interesses coletivos. “Foi a estabilidade que segurou o pessoal da Receita, da Polícia Federal, os professores e o setor da saúde. Esses caras são todos heróis, porque, se Bolsonaro tivesse mais um mandato, isso aqui iria virar uma ditadura”, afirma.

A repórter especial do Meio Luciana Lima conta que três frentes de investigação foram abertas pela Receita Federal, Polícia Federal e Procuradoria-Geral da República para saber se as joias foram um presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e a título de que foi concedido. Também serão investigadas as circunstâncias em que chegaram ao país, apurando crimes de descaminho, conhecido como contrabando, e advocacia administrativa, quando um funcionário público utiliza o cargo para tirar proveito de uma situação. O delegado-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que o caso correrá sob sigilo. Outro ponto a ser analisado é saber qual interesse do governo saudita em ofertar esses bens, e se há alguma relação entre as joias e a Petrobras.

Para Mariliz, é possível que algum possível esquema da família Bolsonaro para ficar com os presentes tenha deixado a ex-primeira-dama de fora. “Não duvido que ela nem soubesse e nunca ficaria sabendo.” Pedro diz não entender por que Bolsonaro não quis pagar o imposto, porque mesmo com a taxa, ainda renderia um bom lucro. “Joia de R$ 16 milhões, você paga R$ 8 milhões de imposto, vende, compra uma mansão para o Flávio [Bolsonaro] e ainda sobra de troco um apartamento”, ironiza.

No governo Lula, a preocupação é sobre o caso do ministro Juscelino Filho, que teria usado avião da FAB para participar de eventos pessoais. Luciana Lima explica que o episódio complica a situação do presidente, que ainda não sabe se tem votos suficientes no Congresso e, por não ter ideia do tamanho de sua base, precisa manter o ministro indicado pelo União Brasil no cargo. “O governo tem dúvidas se Lira tem todos os votos que disse ter de deputados, porque ainda não houve um teste dessa base.” Mesmo o presidente da Câmara tendo vencido a eleição da Casa com folga, não há garantias de que esse apoio pessoal se converta em apoio ao governo.

Pedro Doria diz que está interessado em acompanhar a novela de Lula e União Brasil porque o presidente não demitiu o ministro Juscelino e não tem garantia de votos do partido no Legislativo. “O União Brasil emplacou três ministros, dois têm problemas de corrupção [Daniela Carneiro (União-RJ), esposa do miliciano Waguinho, no Ministério do Turismo, e Juscelino Filho, no Ministério das Comunicações], nenhum dos dois foram demitidos e o partido não está garantindo votos no Congresso”, comenta. “Que tipo de acordo é esse? Esses ministros valem quantos deputados? Quantos senadores?” Christian Lynch diz ter a impressão de que os petistas preferem que apareçam escândalos de ministros que não são do partido porque assim pode-se fazer pressão em cima das legendas dos denunciados para que entreguem mais votos no Legislativo. “Tenho impressão de que Lula sabe que está difícil”, avalia.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.