“Eu só pensava: ‘Não quero morrer aqui’”, lembra sobrevivente ao terremoto na Turquia

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Era quatro horas da manhã do último dia 6, quando o professor de inglês Guilherme Brito sentiu as paredes, a cama e os móveis de seu quarto balançarem em Adana, no sul da Turquia. Por morar em uma residência pré-fabricada, ele pensou num primeiro momento que poderia ter sido alguma ação de vizinhos, que fizesse reverberar em seu quarto. Foi quando ele olhou através da janela e percebeu que os transeuntes passavam desnorteados tentando entender o que se passava. “Aí eu percebi que deveria ser alguma coisa atípica mesmo.” Em entrevista a Flávia Tavares no programa Conversas com o Meio, ele conta que tinha acabado de dividir um quarto em Adana com outras pessoas que nem teve tempo de conhecer. Vindo de Paranaíba, no interior do Piauí, para fazer um intercâmbio, Guilherme conta que estava feliz por ter visto neve pela primeira vez na vida ao chegar na Turquia, até que o pesadelo começou.

Sentindo o chão tremer e ainda sem entender o que acontecia, o professor de 22 anos desceu para a rua de chinelo e moleton enquanto fazia 1ºC de temperatura, quando percebeu que as pessoas estavam concentradas em uma área aberta, semelhante a um parque no bairro. Sem falar turco, não entendia o que os moradores diziam, e não teve condições no momento de compreender a dimensão da tragédia trazida pelo terremoto de magnitude 7,8 naquele início de manhã. “Eu nem saí correndo porque eu nunca tinha vivido um terremoto, então você acaba nem acreditando no que está acontecendo.”

Somente às 7h pôde entender, pelo pouco de inglês que os turcos lhe falaram, que poderia retornar a seu dormitório com segurança. Mas não houve muito tempo para relaxar. Mais tarde, pouco depois de acordar, ao meio-dia, Guilherme sente um novo tremor, com um impacto semelhante ao primeiro. “Eu lembro de pensar: só não quero morrer aqui, longe de todo mundo”, relata. Ao retornar ao espaço aberto, dessa vez encontrou pessoas chegando desesperadas, chorando, além de mais barulhos de sirenes. Apenas às 19h decide retornar ao quarto onde morava, após ouvir de amigos que a estrutura em que ele vivia era construída para resistir a terremotos, não fazendo mais que balançar com novos abalos. “Coloquei minha cama perto da porta, fiz uma bolsa com as coisas que eu precisaria levar, caso houvesse um novo abalo, deito e não consigo dormir até às 6h porque eu tinha medo de dormir e não ser acordado.”

Guilherme conta que nenhum prédio em seu entorno havia caído. Somente viu os primeiros edifícios destruídos pelas imagens na TV local. Ele teve a dimensão real da destruição apenas no terceiro dia, quando foi buscar um amigo em uma cidade vizinha. “Andando, vi muito prédio rachado e outros destruídos e pessoas acampadas em tendas.” Quando saiu para buscar comida, viu pessoas acampadas próximas de construções destroçadas, esperando que equipes de resgate encontrassem parentes e amigos presos nos escombros. Algo que o marcou nesse cenário foi o silêncio que se fazia em momentos críticos. “Quando uma pessoa da construção fazia um sinal, todos se calavam. E aí todos esperavam”, conta.

Ele diz que em Adana, havia muita ajuda humanitária, mas outras cidades não tiveram a mesma sorte. “As pessoas estavam morrendo de frio e de fome porque não tinha cobertor ou roupa e os recursos estavam demorando para chegar lá.” Por ser um povo caloroso, o professor conta que todos se ajudavam mutuamente, independente de quem estivesse desamparado. “Eles estavam todos se ajudando. Era aquela mentalidade de ‘não deixar ninguém para trás’: no que eu puder ajudar, eu vou ajudar.”

Depois de entrar em contato com a Embaixada brasileira, Guilherme foi informado que haveria um voo da FAB retirando brasileiros do país. Num primeiro momento, recusou deixar a Turquia para ajudar outras pessoas, mas, por medo de ficar desabrigado e sem condições de voltar por conta própria, aceitou a passagem oferecida. Ele soube da primeira morte de conhecidos quando já estava no avião. “Eu recebi uma mensagem que cortou muito meu coração, que foi uma foto de uma aluna de seis anos, que morreu com os pais. Era uma das alunas que eu mais gostava”. Depois disso, outros cinco de seus alunos morreram com suas famílias. “Eu fico muito triste pelo que está acontecendo, mas estou feliz por estar vivo.”

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