Os Poderes e o ‘jogo duro constitucional’

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Algumas decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes têm gerado debates – tanto na classe política, quanto na jurídica – sobre os limites de sua atuação para conter atos antidemocráticos causados pelo movimento bolsonarista. Mas para o professor de Direito da USP Rafael Mafei, o ministro “personifica a faceta de uma instituição feita para controle de contrapeso aos demais Poderes, tendo uma série de prerrogativas em relação ao Legislativo e ao Executivo”, como julgar congressistas ou determinar a abertura de CPIs que atendam aos requisitos legais. Em entrevista a Pedro Doria no programa Conversas com o Meio, ele avalia que Moraes teria agido de maneira singular porque a conjuntura do país também é. “Alexandre não inventou um clima de golpismo falso para que ele pudesse invocar seu arbítrio. A ameaça era real.” Para o especialista, a atuação do ministro tem um propósito genuíno e legítimo em seu papel constitucional. Ele destaca que, mesmo sem enfatizar as ações de Moraes, outros ministros do Supremo e congressistas apoiam seu trabalho.

O Brasil tem acumulado nos últimos anos uma série de episódios em que autoridades fizeram uso do jogo duro constitucional, quando força-se a barra da Constituição no limite da lei para trazer uma interpretação que não era originalmente criada pelos legisladores. Pedro Doria cita, como exemplos, a Operação Lava Jato, com o então juiz Sérgio Moro combinando decisões e estratégias ao longo do processo com procuradores, ou a vingança de Eduardo Cunha, que abriu a votação de um dos pedidos de impeachment de Dilma Rousseff, após um entrave político entre a presidente e o deputado. “A impressão que a gente tem é que a cada vez que alguém joga mais pesado, alguém tem de responder jogando ainda mais pesado e, assim, vai forçando a Constituição e a democracia sofre barbaramente com isso.”

Para Rafael Mafei, o que ocorre no Brasil, mesmo sendo parte do jogo duro constitucional, é algo singular, como o envolvimento de juízes e procuradores nesse processo e o fato de envolver processos criminais, como foi a Lava Jato. “A gente precisa ter um rigor de análise diferente para o Cunha fazer o que fez com Dilma e para o Deltan [Dallagnol] combinar o jogo com Moro por aplicativo de conversa.” Ele destaca que há um ponto mais grave em usar do jogo duro para incriminar alguém do que um político recorrer a esse recurso para vencer uma disputa de poder. “Uma coisa é um político usar o poder de seu cargo para prejudicar um adversário, outra coisa é dentro do contexto de um processo criminal, em que o que está em jogo não é quem vai ganhar ou perder um cargo ou indicação política, mas quem vai receber uma pena de 20 anos de cadeia”, pondera.

As discussões sobre o impeachment de Dilma seguem vivas durante o governo Lula. Pedro lembra da fala de Lula durante uma visita à Argentina, em que classificou pela primeira vez publicamente o impedimento como um golpe de estado. Mafei entende que a discussão de impeachment ser ou não golpe faz mais sentido no espaço acadêmico ou em manifestações de rua. No caso do presidente da República, cujos discursos têm impacto sobre a vida pública no país, não deve se comportar como “um manifestante de rua”. Ele questiona qual é o cálculo político de Lula ao fazer tal discurso, se seria para mostrar a Dilma que não foi abandonada, pela pressão do partido ou uma tentativa de conectar o episódio ao caos institucional por que o Brasil atravessa.

Mas parte desse caos passa pelo problema quando um procurador-geral da República deixa de cumprir seu papel de investigar um governo nocivo, como ocorreu com Augusto Aras, que impediu investigações importantes contra o governo Bolsonaro. Para Pedro Doria, o Brasil tem um problema de desenho institucional, quando o procurador engaveta denúncias na esperança de ser indicado pelo presidente da República a um cargo no STF.
De acordo com o professor de Direito da USP Rafael Mafei, a PGR é uma instituição que precisa de reforma, que poderia passar pela criação de um outro órgão para verificar se o procurador-geral está agindo com o rigor que deveria, ao mesmo tempo em que a instância deve ter autonomia e não ser cooptada pelo poder do PGR. Um outro ponto importante seria uma quarentena, para que o chefe do Ministério Público Federal fique um tempo sem poder ser indicado a uma vaga no Supremo. “Ao ir para a PGR, ele tem de saber que está fora dessa disputa”, conclui.

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