Os militares e o novo modelo de golpismo

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Os golpes de Estado estão sendo aplicados de maneiras diferentes de como eram antigamente. Se antes os golpistas colocavam tanques de guerra nas ruas, hoje as tentativas são mais parecidas com insurreições fascistas, que paralisam as instituições de Estado para que os militares possam chegar e assumir o poder, restaurando a ordem. Para o professor Francisco Carlos Teixeira, especialista em Forças Armadas, “o significado de 8 de janeiro é exatamente esse, não começar por cima, pelo golpe clássico, mas apoiando e provocando uma insurreição, dizendo que o Estado não pode mais funcionar, para que venha aquele que vai restaurar a paz social”. Em entrevista ao editor-chefe Pedro Doria, no programa Conversas com o Meio, ele destaca que essa questão permite que os chefes do golpe falem em nome do povo, enquanto usam uma espécie de novilíngua. “Quando eles falam em liberdade, não é o que entendemos como liberdade.”

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Teixeira lembra que “numa República, militares não falam, mas aqui no Brasil isso se tornou um hábito constante”. Ele explica que essa tradição vem desde o próprio golpe de Estado que fundou a República, quando deu ao imperador um poder de moderação, que lhe dava direitos como dissolver o Parlamento, caso quisesse. Ao derrubarem o Império, os militares entenderam que o poder moderador passava às suas mãos, com a ideologia de que tinham a visão técnica e moderna do mundo enquanto políticos e civis são corruptos e não são patriotas. “Eles se arvoraram nessa longa escala de atos militares para sanar os atos da República”, conclui.

Pedro Doria acrescenta que houve uma decadência do processo democrático brasileiro a partir do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Um dos pontos chave após esse processo foi um tweet do general Villas Boas pressionando o STF a manter a prisão de Lula. Outro momento importante foi a declaração de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio de Janeiro, quando o então presidente Michel Temer nomeou como interventor o general Braga Neto. Desde 1992 os presidentes utilizam militares na segurança civil, como um tipo de policiamento ostensivo.

Para Francisco Carlos Teixeira, esses eventos ajudaram a empoderar e estimular os militares a buscar mais poder. “Depois que eles foram chamados tantas vezes, lidando com uma longuíssima intervenção no Haiti, que formou todos esses generais que estão aí, fazendo GLO, controle de multidão em bairros periféricos, miseráveis e pretos, foi aí que Augusto Heleno virou herói”, explica.

A solução para reverter essa cultura militar, segundo Teixeira, seria modificar a forma de alistamento do Alto Comando das Armas. “Como o alistamento é constitucional, é muito difícil de mexer, mas o presidente pode se manifestar. Nunca um presidente se manifestou”, comenta. A segunda maneira seria retirar os aparelhos de informação das mãos dos militares que espionam a cidadania civil. “É algo absolutamente inusitado, Forças Armadas terem inteligência dentro de fronteiras [nacionais].” Outro ponto importante é a revisão de currículos das escolas e academias militares, “que está repleta dessa história de que eles são puros, superiores e os civis são corruptos e incompetentes”.

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