Lula não controla os militares, diz Sergio Abranches

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Os atos terroristas do último domingo, dia 8, quando uma turba bolsonarista invadiu a Praça dos Três Poderes deixando um rastro de destruição, constituem uma tentativa de golpe de Estado, que, mesmo mal-sucedida, sinaliza a fragilidade de nossa democracia. Para o sociólogo e cientista político Sergio Abranches, “o Brasil nunca terá uma democracia suficientemente sólida e civil enquanto a gente não resolver o problema da tutela militar”. Em entrevista ao editor-chefe, Pedro Doria, no programa Conversas com o Meio, ele avalia que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tem poder sobre as Forças Armadas pelo fato de que o poder civil “trata os militares com luva de pelica”, tendo um temor estrutural dos membros da caserna em todas as lideranças civis no Brasil. “Isso significa que o país continua sob uma semi tutela militar, que nunca se despolitizou” com a falsa ideia de uma ameaça comunista. A oportunidade de mudar esse quadro foi perdida quando não se fez uma Comissão da Verdade logo após o fim da ditadura, aceitou uma Lei de Anistia muito ampla e contemporizou com as faltas graves de militares, como as falas golpistas do general Hamilton Mourão.

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Para evitar que outros atentados ocorram com a anuência das forças de segurança, Sergio defende que o Brasil precisa ter um tipo de polícia especializada em ações de massa. “Se você tiver isso, você reduz o número de incidentes que levam um grande número de pessoas a óbito, e tem uma guarda que fique de prontidão permanente”. Ele também prevê que se as investigações não chegarem aos financiadores e aos arquitetos do golpe, o governo Lula terá problemas que poderão, no futuro, fazer com que ele “não tenha capacidade de resistir”. “O fato é que a gente tem uma corporação militar que tem um grau de sensibilidade política que é preocupante. Qualquer marola, eles resolvem adotar posições mais golpistas. Isso é muito complicado.” Pedro Doria lembra que a situação em Brasília somente foi controlada com o decreto de intervenção federal pelo governo e a prisão dos terroristas. Outros atos estavam programados em outras regiões do país. Segundo ele, a série de eventos que precederam o ataque mostra que “a PM do DF planejou essas invasões, e se não planejou, permitiu que elas acontecessem”. Mesmo o golpe tendo sido armado, nenhum general apareceu para continuar com a investida.

Sergio Abranches acredita que o ataque terrorista foi um movimento orquestrado, mas que a intenção não era o golpe imediato. A ideia seria uma estratégia nazista, de criar desordem para demonstrar que “a sociedade está sublevada e o governo não tem capacidade para assumir o controle da situação”, o que levaria a um golpe de Estado para que o Exército assumisse o controle. Ele avalia que não havia nenhuma liderança nas ruas que pudesse assumir a dianteira golpista, sem sequer um general no comando. Ele classifica o ambiente dos atos antidemocráticos em dois níveis: o inferior, com pessoas nas ruas e nas redes sociais apoiando o ato, e no segundo estão os financiadores e os idealizadores do golpe. Ele concorda com o pedido de prisão do agora ex-secretário de segurança do Distrito Federal Anderson Torres e não crê na inocência de Ibaneis. “Eu não acredito que ele foi enganado por má informação, porque seria ingenuidade dele como governador [não ver perigo nas movimentações de domingo], após as ameaças de atentado terrorista antes da posse de Lula.”

Na avaliação de Pedro Doria, o Brasil tem a oportunidade de prender Eduardo Pazuello por crimes contra a saúde pública à frente do Ministério da Saúde, e os generais Braga Neto e Augusto Heleno por causa de ação antidemocrática, estes sem a necessidade de passar pelo procurador-geral da República. Enquanto o procurador-geral Augusto Aras engaveta ações contra apoiadores de Bolsonaro, o STF se mantém como o guardião da democracia. “Se existe um poder que está solidamente na defesa da Constituição de 1988, me parece ser o Supremo Tribunal Federal.” Ele diz que nossos vizinhos, como a Argentina, já resolveram o problema com os militares, e Estados Unidos e Europa veem um golpe no Brasil com maus olhos. Por isso, ele considera que esse seria o melhor momento para resolver a questão com a caserna. Sergio questiona se a elite civil brasileira tem disposição para isso, porque eles recuaram diante da recusa dos militares em prender Pazuello, durante a pandemia. Ele avalia que o PT errou em quase todos os nomes escolhidos para seus ministros da Defesa porque precisava indicar para o cargo pessoas com firmeza para impedir que os militares ultrapassassem alguns limites. Em sua opinião, José Múcio é o ministro da Defesa com o menor poder sobre as Forças Armadas da história do país.

A primeira função do governo Lula, segundo Pedro Doria, será entregar uma democracia consolidada. Ele lembra que é a quarta vez na história do país que há um ataque direto ao prédio da Presidência da República. “O que aconteceu no domingo é um evento gigante na história do Brasil.” O politólogo Sergio Abranches afirma que para entregar uma democracia consolidada, Lula precisará aceitar e tolerar a oposição a seu governo, como disse que faria. “A gente precisa formar uma direita conservadora democrática, que queira, de fato, jogar o jogo democrático.” Ele avalia que os ataques de domingo afastaram a direita moderada de Bolsonaro e que falta um partido de centro-direita, social liberal, que possa ser mais conservador para disputar contra o PT uma próxima campanha presidencial numa polarização democraticamente saudável.

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